sábado, 20 de junho de 2009

Dia Mundial dos Refugiados

Hoje é o dia Mundial dos Refugiados. Isso nao significa tanto para os meus amigos brasileiros, o que - como tudo na vida - pode ser visto desde ângulos positivos e negativos.

O aspecto positivo, na minha opiniao, é o fato de que o Brasil, há muito, nao tem problemas que levam ao refúgio. É claro que existem os deslocados internos (acho que esse é o termo em português para internally displaced person) e êxodos dentro do Brasil, tanto por causas econômicas quanto por desastres naturais ou os dois combinados. E eles sao graves e inúmeros.

Mas o sentido de refugiado ao qual me refiro e ao qual o dia de hoje se dedica é aquele adotado pelo estatudo dos refugiados: pessoa que encontra-se fora de seu país de origem e não pode (ou não quer) regressar ao mesmo "por causa de fundados temores de perseguição devido à sua raça, religião, nacionalidade, associação a determinado grupo social ou opinião política”. Esse conceito depois foi emendado por outras convençoes, para incluir também quem teve que deixar seu país devido a conflitos armados, violência generalizada e violação massiva dos direitos humanos.

Nesse sentido, apesar da violência e da desigualdade econômica - vivenciada por todos a cada dia - e do racismo, do machismo e de outras formas de discriminaçao - vivenciada pelas minorias - felizmente nao precisamos buscar outro país para vivermos como consequência de sermos vítimas de perseguiçao. E, desde o processo de redemocratizaçao, o Brasil nao é um país "exportador" de refugiados.

Já os aspectos negativos da ausência de costume dos brasileiros ao convívio com refugiados, ao meu ver, sao vários. Em primeiro lugar eu destacaria a falta de percepçao de que eles existem. É uma falta grave ignorar cerca de 16 milhoes de pessoas em todo o mundo*. E eu nao estou falando da ignorância do brasileiro médio. Estou falando da ignorância em que se recolhem a maior parte dos meus amigos, que sao gente de classe média-alta, que vive em grandes centros e dispoe de amplo acesso a informaçao e a cultura. Ignorância da qual eu também era vítima antes de me mudar para a Suécia.

É claro que essa ignorância tem desculpas e justificativas muito plausíveis que vao desde o descaso da mídia - que nao dá pra discutir agora e seria assunto pra mais de um zilhao de posts - ao fato de o Brasil nao receber refugiados. E sobre o último eu quero, sim, discutir.

Antes de me mudar pra Suécia pra estudar direitos humanos eu já me interessava pelo tema de refúgio e tinha vontade de escrever a minha tese sobre o assunto, mas eu nao sabia quase absolutamente nada sobre isso. É claro que nos quase 10 meses que estou aqui aprendi um pouco. Contribuíram para o meu aprendizado diversos fatores: as aulas no mestrado sobre direito dos refugiados, o fato de eu frequentar congressos sobre os direitos dos refugiados, etc.

No entanto, a minha percepçao e o conhecimento sobre o tema mudaram substancialmente pela circusntância de os refugiados fazerem parte da minha rotina. Vários de meus vizinhos, companheiros de sala, e outras pessoas iguais a mim sao refugiados. Tenho amigos próximos que foram refugiados de guerra. A experiência de todos eles é traumática, claro, mas cada um a enfrenta de formas diferentes. Dentro da mesma família é muito diferente o resultado que o evento causou. Enquanto alguns se sentem muito bem no país que os abrigou, outros só querem voltar - o que também é assunto para outro post.

Enfim, o assunto desse post é que o Brasil recebe muito poucos refugiados tanto em número quanto comparativamente - o que choca, quando se sabe que é considerado pelo ACNUR (Alto Comissariado das Naçoes Unidas para Refugiados) um dos países mais justos e democráticos do mundo no que diz respeito ao processo de concessao de azilo.

A Lei 9474 de 1997, é a lei brasileira que determina os mecanismos de interpretaçao do Estatuto dos Refugiados (adotado pelas Naçoes Unidas em 1951). Essa lei foi o primeiro ato legislativo da América do Sul a considerar violaçoes graves e generalizadas aos direitos humanos como base para obentaçao da condiçao de refugiado e se converteu em um modelo para a regiao. A lei garante aos solicitantes de asilo o direito de trabalhar e de utilizar os serviços públicos, de saúde e de educaçao enquanto aguarda a decisao de sua solicitaçao de azilo. A lei também garante o provimento de aulas de português e de auxílio linguístico a fim de que o refugiado se integre com mais facilidade à sociedade. É óbvio que uma vez constatado o status de refugiado e concedido abrigo, esses direitos permanecem.

Além do avançado sistema de recepçao adotado pela legislaçao brasileira, as decisoes sobre a concessao ou nao do status de refugiado proferidas pelo CONARE (Comitê Nacional para os Refugiados) levam em consideraçao a perseguiçao de gênero e contam com um amplo conceito no que se refere aos familiares das vítimas de perseguiçao, incluindo avós e até sobrinhos.

Mas por que, entao, ninguém conhece nenhum refugiado? Por que o número de refugiados é de menos de 4000 em todo o imenso território brasileiro?

A conclusao nao é nenhum pouco brilhante, é óbvia. Os refugiados abrigados no Brasil tem os mesmos direitos que qualquer cidadao brasileiro.

E, parece estranho dizer isso, mas todos os cidadaos brasileiros tem direito a educaçao, a saúde, a moradia, a nao-discriminaçao, a cultura, a lazer, meio-ambiente saudável e a mais uma porçao de outras coisas essenciais. Todas elas asseguradas pela constituiçao. E a constituiçao é a Lei Maior, base fundamental de todo o ordenamento jurídico. Muito maior do que qualquer lei ordinária que regula a concessao de azilo.

Sim, todos os brasileiros tem direitos. Mas quais brasileiros tem acesso e vêem esses direitos realmente cumpridos e implementados pelo Estado? Os exemplos sao tao raros e a desigualdade tao grande que, muitas vezes, quando a um brasileiro é oferecido serviço público de qualidade, ele tem a impressao de que está recebendo um favor. E também é muito comum no Brasil a mentalidade de que tudo que é público deve ser do mais barato, do mais feio, do mais chinfrim - como se o público nao fosse dele.

Assim, o que sobra para os refugiados? Um pedaço de papel e as dificuldades de nao falarem portugues, nao terem amigos, nao terem uma network e terem traumas e terem medo e terem desespero e terem esperança. Será esperança suficiente?

E aos brasileiros, o que sobra? Um pedaço de papel que se convencionou mais importante que os outros, uma das piores distruibuiçao de renda do planeta, violência, esperteza -burra, e coraçoes que parecem ser grande e caber todos. Mas serao os coraçoes grandes o suficiente?


*Segundo o relatório Refúgio no mundo: 2008 tendências globais, publicado esse mês pelo ACNUR



3 comentários:

Anônimo disse...

Oi Alessandra!
Parabéns pelo por este texto reflexão. Boa coisa para se fazer em Barcelona, lugar de "refúgio" e onde há refugiados visíveis.
Estou com saudades.

Anônimo disse...

Oi Alessandra!
Parabéns pelo por este texto reflexão. Boa coisa para se fazer em Barcelona, lugar de "refúgio" e onde há refugiados visíveis.
Estou com saudades.

Alessandra Teixeira disse...

Saiu hoje no correio braziliense:
http://www.mre.gov.br/portugues/noticiario/nacional/selecao_detalhe3.asp?ID_RESENHA=590111